quarta-feira, 21 de maio de 2014

CONFISSÕES

Eu só queria ser feliz. É isso. Sei que não tenho muito tempo, não posso voltar a viver minha vida.
Como vêem, estava somente esperando vocês para poder me confessar, talvez...
como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos e auto piedade.
Talvez isso possa parecer uma espécie de extrema unção, não sei.
Vocês não tem nada a ver com o meu estado atual. Eu sei que muitos de vocês nem sabiam que o meu tempo já estava no fim.
Alguns dias, semanas, meses, talvez... quem sabe...
A morte de um homem como eu, nem sempre é a notícia mais importante,
ou, pelo menos, a que vende mais jornal.
Afinal, que importa a morte de alguém que representa certos valores que estão
perdendo a importância, diante de tantos valores como dinheiro, poder, sucesso e outras coisas mais?
Há alguns anos atrás morreu um grande piloto.
No mesmo dia morreu, também, um grande poeta brasileiro:
Mário Quintana.
"Todos estes que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão... eu passarinho!"
No entanto, poucos se lembram do poeta,
mas todos se comoveram com a morte do grande piloto brasileiro.
Sei que todos vieram porque sabem que o que eu tenho a confessar
 pode servir para aplacar um pouco da
angústia que trazem dentro de si mesmos.
Todos nós precisamos de alguém que faça algo que represente
aquilo que gostaríamos de fazer, e nem sempre temos coragem.
Por isso precisamos de símbolos, mitos, deuses.
Eu não sou nenhum mito, mas procurei representar o meu
papel na sociedade da melhor maneira possível.
Em alguns momentos, confesso, não me senti capaz.
É um desafio que todos nós temos que enfrentar:
representar os papéis que a vida nos legou.
E vocês também estão representando um papel,
e não estamos sozinhos nesse jogo. Ai junto de vocês
encontram-se outros atores, nem melhores nem piores que ninguém.
Apenas atores, com vontade de
exercer a sua tarefa no mundo: servir de espelho para nossas atitudes e valores.
Acredito que o mundo
é um jogo de símbolos, ou pra ser absolutamente sincero,
em alguns momentos até me encantei com essa
possibilidade. Sei que minhas atitudes influenciaram muitos dos senhores,
que muitos atribuem a mim
coisas que não fiz, que não disse. Alguns amigos
- não sei se posso usar essa expressão -
apropriaram-se de algumas atitudes e palavras para si mesmos.
Afinal, as coisas significam outras coisas e cada um
usa aquilo que mais lhe interessa.
Por favor, lembrem-se de mim apenas como um ser humano, com
as suas grandezas e suas fraquezas.
Um ser humano que apenas queria ser feliz. Por isso vou contar-lhes a
minha história, uma história que nunca foi contada.
Uma história que começou há muitos seculos atrás.
Por favor, respeitem os últimos momentos de um homem
que não tem mais tempo para dissumulações e jogos tolos.
Quero encarar os fatos de frente, é a única coisa verdadeira que me resta.
Quero encarar todos vocês, de frente,
pois em cada encontro como sempre alguém sai melhor, pois quando duas pessoas se
encontram, existem realmente seis pessoas presentes:
as duas como se vêem a si, as duas como um vê a outra e as duas como realmente são.
Confesso que, muitas vezes, tive vontade de deixar minha imagem rasgada para salvar a minha
própria pele. Isto aconteceu durante vários momentos na minha vida.
Confesso que já não sei mais onde realmente estou ou quem eu realmente sou.
Não sei se tenho uma missão a cumprir... se vale a pena servir de espelho
pra quem quer que seja... se vale a pena
desenhar mapas e indicar caminhos para quem quer que seja,
quando eu mesmo não sei qual o meu
caminho. Só sei que o caminho se faz quando a gente começa a caminhar.
E hoje consegui dar mais
um passo. Hoje estou mais feliz. Afinal, eu só queria ser feliz.
Durante toda minha vida persegui a
felicidade, e só hoje, na presença de vocês, é que descubro que todos nós somos importantes,
pelo menos para alguém.
É isso, acho que não tenho mais nada a confessar.
Sei que não tenho muito tempo.
Talvez isso seja uma espécie de extra unção, não sei.
Vocês não tem nada a ver com meu estado atual.
Talvez alguns nem saibam que meu tempo já está no fim.
Algumas horas, dias, talvez, quem sabe... a morte de um homem como eu,
nem sempre é a notícia mais importante, ou pelo menos a que vende mais jornal.
Afinal, que importa a morte de alguém que representa certos valores que estão perdendo a importância...